Apesar de ter passado muito tempo, ainda me lembro daquele dia.
Tudo começou há vários anos, quando numa sombria manhã de inverno o ministro americano comprou Canterville Chase, uma antiga casa abandonada. Toda a gente lhe disse que era um grande disparate, pois sabia-se que o lugar estava assombrado. O próprio Lord Canterville, que era um homem da mais escrupulosa honestidade, achara, ao discutirem o contrato, ser seu dever mencionar o facto a Mr. Otis (um grande amigo meu).
-Nós próprios deixámos de morar lá - disse Lord Canterville.
-Meu caro senhor – respondeu o ministro -, façamos o preço da mobília e do Fantasma. Venho de um país novo, onde temos tudo aquilo que o dinheiro compra. Parece-me que, se existisse na Europa qualquer coisa parecida com um Fantasma, já em pouquíssimo tempo lá o teríamos, num dos nossos museus, ou num espectáculo de saltimbancos.
- Receio bem que o fantasma exista – disse Lord Canterville, a sorrir. - Desde 1584 que é bastante conhecido, ou seja, há três séculos, e o pior de tudo é que aparece sempre antes da morte de um membro da família. Mas se o senhor não se importa com o facto de ter um fantasma a andar na sua casa durante a noite, tudo bem; não se esqueça é que eu o avisei.
Semanas depois, a compra estava feita, e no fim da temporada o ministro e a sua família foram para Canterville Chase.
Às onze horas da noite, a família recolheu-se aos quartos e passada meia hora todas as luzes da casa estavam apagadas. Algum tempo depois, Mr. Otis foi acordado por um ruído estranho que vinha do corredor junto à porta do seu quarto. Parecia o ruído de um toque metálico e parecia estar cada vez mais próximo. Era exatamente uma hora. O meu pobre amigo, apesar de estar calmo, mediu o pulso e viu se tinha febre. O estranho ruído continuava, agora acompanhado de passos pesados. Calçou os chinelos, tirou um pequeno frasco da gaveta e saiu cauteloso para ir ver o que se passava.
De repente, viu à sua frente um velho gigante de aspeto terrível. Os seus olhos eram vermelhos como carvão em brasa, caíam-lhe dos ombros longos cabelos grisalhos em madeixas flamejantes, as suas roupas cheias de remendos cheiravam a mofo, e nos seus tornozelos e pulsos continha pesadas ligas metálicas enferrujadas.
- Meu caro senhor – disse Mr. Otis tentando conter o medo – peço-lhe que lubrifique as suas correntes porque se não o fizer não vou conseguir dormir e como se calhar não tem lubrificante tenho aqui um frasquinho para isso. Tem uma maior eficiência numa só aplicação. Deixo-lho aqui para si, e caso tenha necessidade terei o maior prazer em oferecer-lhe mais.
Com estas palavras o Mr. Otis colocou a garrafa numa mesa de mármore e, tendo fechado a porta, deitou-se.
Por um momento, o Fantasma dos Canterville ficou completamente quieto com uma indignação natural, em seguida atirou a garrafa com toda a violência para o soalho encerado, e fugiu corredor abaixo com grunhidos cavos, e lançava uma luz terrível e esverdeada. Quando chegou ao extremo da escada, abriu-se uma porta e surgiram dois vultos vestidos de branco e roçou-lhe pela cabeça um enorme travesseiro. Tomando apressadamente a terceira dimensão do espaço por meio de fuga, desapareceu pelo soalho e a casa voltou a uma total tranquilidade.
Quando chegou a uma pequena câmara da ala esquerda, apoiou-se a um raio de lua para recuperar o fôlego e tentou compreender a situação. Nunca em trezentos anos de carreira fora insultado tão grosseiramente. Resolveu, assim, vingar-se e até, ao alvorecer, continuou numa profunda meditação.
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